Superpopulação de animais “de companhia”: remexendo as feridas
Nesses dias recebemos a importante notícia de que o Conselho da cidade de West Hollywood, nos Estados Unidos, aprovou por unanimidade a proibição da venda de cães e gatos em pet shops¹ . Fato inédito no mundo, a primeira cidade a ter o discernimento de enfrentar essa problemática a partir de sua origem.
Já nas cidades brasileiras, como presenciamos no Paraná, a comercialização de animais só aumenta e os órgãos fiscalizadores municipais sequer investem em acompanhar esse tsunami de exploração econômica de vidas. Não há investimento efetivo em ações de fiscalização e punição de casos de maus-tratos em estabelecimentos comerciais fixos e provisórios. Isso porque sempre há alguém que tire uma casquinha desta “fatia de mercado”, fato que explica a falta de vontade política em enfrentar o problema de forma exemplar, como em West Hollywood.
Enquanto as casquinhas são tiradas, direta ou indiretamente, a população de cães e gatos explode nas periferias e o poder executivo, quando faz algo diferente de matar deliberadamente, finge que faz política pública, na forma de um cala-boca para a grande massa alienada. A mesma massa, de todas as classes sociais, que entope espaços da mídia com reclamações como “tem muito cachorro na rua”, ou “e esse grupo de defensores dos animais, por que não trabalham?” ou “as cidades estão ‘sujas’ com tantos animais nas ruas”.
Sim, a mesma massa que, em sua grande maioria, quando manifesta vontade em ter um animal “de companhia”, primeiramente exige alguma raça no pobre bicho, como se fosse um adereço de marca famosa, alimentando esse comércio de filhotes em pet shops e feiras e ampliando o comércio inclusive de espécies exóticas e silvestres, com o aval dos órgãos ambientais públicos. Uma contradição fora do comum.
Daí nós perguntamos: reclamar do que, grande massa, se estamos alimentando essa lógica?
Neste mesmo contexto, os grupos de defensores dos animais são concebidos pela grande massa como bobos da corte. Bobos que devem sair pelas ruas apagando os incêndios causados pela ignorância, descaso e perversidade da grande massa, às custas de migalhas oriundas desta própria cadeia de exploração de vidas inocentes. Um círculo vicioso alimentado pelo desespero.
Estes grupos de defensores, porém, quando se manifestam contrários à criação de abrigos (que inevitavelmente geram mais maus-tratos, pela superlotação) e ao recebimento das migalhas daqueles que mantêm o ciclo de exploração animal, são mais uma vez tachados como “radicais”, ou “fanáticos”, ou, ainda, como “gente que em vez de trabalhar pelos pobres animais fica fazendo política”. Só não faz mais política quem está morto.
Somos seres políticos, enquanto atores sociais desta tragicomédia chamada sociedade de consumo, sem confundir política com politicagem partidária, eleitoreira, interesseira. Não é tão difícil de entender essa dinâmica, num contexto de exploração capitalista de tudo que pode render lucro, mesmo às custas de muito sofrimento e descaso. Neste contexto, criar “pets” para vender, sejam eles domésticos, silvestres ou exóticos, tem sido um crescente negócio no Brasil.
Importa assimilar e disseminar a equação: comércio de vidas + omissão do poder público + alienação popular = manutenção do problema da superpopulação de animais “de companhia”.
Cães e gatos são somente a ponta do iceberg de tantas vítimas não humanas desta sociedade doente, antropocêntrica e omissa, que converte os bichos de vítimas a vilões. E, quando uma destas vítimas da loucura humana arrisca perambular atrás de comida, abrigo e outras formas de ajuda, por lugares de interesse econômico, estético, ou, ainda, por perto das grandes residências das elites, onde moram inclusive os nossos governantes, esses bichos são, novamente, alvo de reclamações, violência e, principalmente, omissão. E a equação é propositalmente enterrada bem fundo, a sete palmos do chão, para que nenhum humano, parte desta cadeia, perca a sua fatia de mercado ou até mesmo de patrocínio.
Resta aos grupos de defensores dos Direitos Animais, aqueles ousados, veganos, tachados de fanáticos, atacados por denunciar a perversa equação do comércio de vidas e cientes, portanto, de sua real função social (que não é assistencialista e muito menos prestadora de serviços públicos), resistir bravamente, como exemplos contra-hegemônicos, dentro desta cadeia de exploração humana, ambiental e animal.
Cidadãos solidários aos animais: amarrai-vos ao mastro de seus barcos, como fez Ulisses, em sua Odisseia, para que não recaiam ao canto das sereias, pois elas são cada vez mais fortes, detentoras do poderio econômico, bonitas e sedutoras. Suas migalhas enchem muitos olhos, mas é preciso resistir, fazer a conexão sempre, para que o exemplo de manter-se no rumo da coerência seja mais forte.
Enviado por Maria Padilha
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